É desta forma que ignoramos o bom que temos e o que muitos ambicionavam ter. Mas quando hoje falamos de Portugal estar atrasado em várias vertentes, é difícil imaginar o profundo sentimento de tristeza que um indivíduo que amava profundamente a sua pátria, sofreu quanto este atraso era de facto evidente.
É com a obra Mensagem, a única escrita em português publicada em vida do autor, que Fernando Pessoa consciente das capacidades e dos feitos do seu povo, vem através de um conjunto de poemas enriquecidos por símbolos e mitos, relembrar a todos os portugueses, os heróis que criaram este país, o seu auge, e o mito do Quinto Império, onde Portugal iria renascer numa época de paz e conduzir culturalmente o mundo.
"Aqueles portugueses do futuro, para quem porventura estas páginas encerrem qualquer lição, ou contenham qualquer esclarecimento, não devem esquecer que elas foram escritas numa época da Pátria em que havia minguado a estatura nacional dos homens e falido a panaceia abstracta dos sistemas. A angústia e a inquietação de quem as escreveu, porque as escreveu quando não podia haver senão inquietação e angústia, devem ser pesadas na mão esquerda, quando se tome, na mão direita, o peso ao seu valor científico.
Serão, talvez e oxalá, habitantes de um período mais feliz […] aqueles que lerem, aproveitando estas páginas arrancadas, na mágoa de um presente infeliz, à saudade imensa de um futuro melhor."
Fernando Pessoa, Da República, Ed. Ática, Lisboa, p. 105
- Estrutura da externa da obra
“Mensagem” é composto por 44 poemas, que estão divididas em três partes: Brasão, Mar Português e O Encoberto.
1ª Parte (subdivisão em 5 partes) «Brasão» ”Belum sine Bello”
I.
“Os Campos”
(= 2 escudos)
1º O dos Castelos
2º O das Quinas
II.
“Os Castelos”
(7 castelos)
1º Ulisses
2º Viriato
3º O Conde D. Henrique
4º D. Tareja
5º D. Afonso Henriques
6º D. Dinis
7º (I.) D. João, o Primeiro
7º (II.) D. Filipa de Lencastre
III.
“As Quinas”
(5 quinas)
1ª D. Duarte rei de Portugal
2ª D. Fernando Infante de Portugal
3ª D. Pedro Regente de Portugal
4ª D. João Infante de Portugal
5ª D. Sebastião Rei de Portugal
IV.
“A Coroa”
Nun’Álvares Pereira
V.
“O Timbre” 1
A cabeça do Grifo 2, O Infante D. Henrique
Uma asa do Grifo, D. João o Segundo
A outra asa do Grifo, Afonso de Albuquerque
2ª Parte (subdivisão em 12 partes) «Mar Português» “Possessio maris”
Sucessão entre o Império Material (Descobrimentos) e o Império Espiritual (Quinto Império)
I. O Infante
II. Horizonte
III. Padrão
IV. O Mostrengo
V. Epitáfio de Bartolomeu Dias
VI. Os Colombos
VII. Ocidente
VIII. Fernão de Magalhães
IX. Ascensão de Vasco da Gama
X. Mar Português
XI. A Última Nau
XII. Prece
3ª Parte (subdivisão em 3 partes estrutura triádica) «O Encoberto» ”Pax in Excelsis”
I.
“Os Símbolos”
1º D. Sebastião
2º O Quinto Império
3º O Desejado
4º As Ilhas Afortunadas
5º O Encoberto
II.
“Os Avisos”
1º O Bandarra
2º António Vieira
3º (sem título)
«’Screvo meu livro à beira-mágoa»
III.
“Os Tempos”
1º Noite
2º Tormenta
3º Calma
4º Antemanhã
5º Nevoeiro
“Valete, Fratre”
- Estrutura interna da obra
Podemos considerar na estrutura interna de Mensagem a teoria cíclica das idades, (nascimento, vida, morte e renascimento) atribuída a Portugal.
Na primeira parte de Mensagem, Brasão, referem-se mitos e figuras históricas de Portugal, até D. Sebastião, que são elementos de heráldica (campos, castelos, quinas, coroa, timbre) presentes no brasão português. Pretende-se passar a imagem de um Portugal erguido à custa do esforço dedicado de muitos heróis, que agiram muitas vezes estimulados por forças sobrenaturais. Um Portugal reservado a grande feitos, que tem como “cabeça de grifo” o Infante D. Henrique (que simboliza a sabedoria que permite a criação) e como suas asas D. João II e Afonso de Albuquerque (que simboliza a conquista de um estádio sobre - humano), as três personalidades mais determinantes na formação do império, na sua consumação e na sua consolidação. Um Portugal que há-de ser o rosto da Europa.
Na segunda parte, Mar Português, refere-se a personalidades e factos dos descobrimentos portugueses, sempre encarados na perspectiva de missão que competia a Portugal cumprir. É destaque a importância universal que os descobrimentos portugueses implicaram, e os esforços sobre-humanos que foi preciso desenvolver na luta contra os elementos naturais, opostos e desconhecidos.
Na terceira parte, O Encoberto, que refere que Portugal parece estar encerrado numa prisão, está envolto em trevas, está a entristecer. Mas um novo império vai-se erguer, anunciado pelos símbolos e pelos visos. O povo que se mostra entristecido, vai mudar para outro povo que erguerá uma outra Pátria. Mas só com a loucura e a humildade dos heróis será possível pôr esse sonho de pé. É um novo herói, O Encoberto, que vai transformar o medíocre em grandioso e guiar a pátria portuguesa no caminho da dignidade merecida, mas que ainda não lhe vai ser possível alcançar.
Desta forma é possível atribuir o “Brasão” ao nascimento, o “Mar Português” à vida e à morte e por fim “O Encoberto” como renascimento.
- Simbologia de Mensagem
“Publiquei em Outubro passado, pus à venda, propositadamente, em 1 de Dezembro, um livro de poemas, formando realmente um só poema, intitulado Mensagem. Foi esse livro premiado, em condições especiais e para mim muito honrosas, pelo Secretariado da Propaganda Nacional.
Fernando Pessoa, Obras em Prosa, org. João Gaspar Simões, 5.º vol., Ed. Círculo de Leitores, Lisboa, 1987, p. 217
Fernando Pessoa quando escreveu a “Mensagem”, tinha a consciência da divisão que fez do poema e assim atribuiu um significado próprio.
O número um aparece logo na primeira parte, no Brasão, em A Coroa (Nuno Álvares Pereira). Simboliza a unidade, o centro onde coexistem as forças antitéticas, de uma forma harmónica, entre o consciente e o inconsciente, realizando a união dos contrários. Simboliza o ser.
O número dois que se apresenta nos Os Campos, nos poemas O dos Castelos e O das Quinas, simboliza a divisão, prevê a dualidade, seja ela expressão de contrários ou de complementaridade. Resume a contradição da existência: a vida e a morte (onde os dois poemas se inserem).
O número três (as partes em que Mensagem se divide), remete para a união entre Deus, o Universo e o Homem, representa a totalidade. Está ligado também a Cristo, esta figura concentra três vertentes: a de rei, a de padre e a de profeta. Corresponde, também, ao conjunto de poemas intitulados por Timbre (as personagens míticas cumprem o padrão do rei e do Padre, pelo seu poder e pela sua Espiritualidade), e por Os Avisos (cumprem a função de vidente do anúncio do Quinto Império).
Este número representa as fases da existência: o nascimento, o crescimento e a morte. Mensagem liga-se simbolicamente ao ciclo da vida, Brasão conota o nascimento da Nação, Mar Português evidencia o seu crescimento e o seu momento áureo histórico e o Encoberto divulga a morte.
O número cinco simboliza o número da ordem, do equilíbrio e da harmonia. Significa a perfeição.
Este número aparece em três conjuntos de poemas: As Quinas, Os Símbolos e Os Tempos. No primeiro, o número cinco, simboliza as cinco chagas de Cristo, o sofrimento para a salvação da Humanidade. No segundo, incluem cinco poemas, em que os valores simbólicos assumem maior relevo. No último, Os Tempos, anuncia-se já o terminar de um ciclo e inicia-se ao início de outro, que instaurará a Ordem.
O número sete corresponde a um período temporal unificante. Simboliza a totalidade das energias, após o fim de um ciclo.
Os Castelos são compostos por sete poemas, liga-se à renovação de um ciclo que se inicia com os filhos de D. Filipa de Lencastre e termina com D. Sebastião.
O sete é um número mágico, está associado ao poder e ao acto de criação.
O sétimo dia que, segundo a Bíblia, foi aquele que Deus descansou, depois de ter criado o mundo, aponta para a relação entre Deus e o Homem e em Mensagem está presente essa associação.
O número oito é o número das pontas da Cruz da Ordem de Cristo, a cruz que as caravelas ostentavam. Oito letras tem Portugal e oito letras tem Mensagem.
O número doze é o da cidade santa, situada no céu, a Jerusalém Celeste, que terá doze portas e na qual terão lugar os doze apóstolos. Estes significam a eleição de um novo povo e divulgam outra forma de estar no universo: aquele que se baseia na fidelidade a Cristo.
Doze é o símbolo de mudanças operadas no interior do ser humano e da evolução do universo. Marca o final de um ciclo evolutivo, ao qual se sucede a morte, que dá lugar ao renascimento.
Mar Português é composto por doze poemas, encerra um ciclo, um período áureo da História Nacional e segue-se quatro séculos de trevas, que estão presentes no Encoberto.
- Temáticas da Obra
Podemos definir quatro diferentes temáticas recorrentes ao longo da obra Mensagem de Fernando Pessoa, sendo estas:
- O carácter épico-lírico
Da mesma forma que uma epopeia, a Mensagem também parte de um núcleo histórico (heróis, pessoas-chave e acontecimentos da História de Portugal) mas numa dimensão subjectiva e introspectiva próprias do lirismo.
- O Mito
De forma a enriquecer a obra estas figuras e acontecimentos, próprios do núcleo histórico, são por sua vez convertidos em símbolos e mitos.
Um bom exemplo é o oxímoro com que se inicia o poema Ulisses: “O mito é o nada que é tudo”.
É factual que algo que não existe, como o mito, tem uma enorme força, servindo de muitas explicações lendárias que entram na realidade.
- Sebastianismo
D. Sebastião cujo cognome, O Desejado, tornou-se herdeiro ao trono após a morte de seu pai, sucedendo a seu avô D. João III. Aliado a este facto, surgem outros que dão um clima messiânico a esta figura. A morte deste jovem rei e o desaparecimento do corpo, originou uma lenda entre o povo português que na “ténue” perda de independência de Portugal, durante a dinastia Filipina, D. Sebastião surgia numa manhã de nevoeiro garantindo mais uma vez, a salvação e a independência de Portugal.
Pessoa aproveita desta forma este herói, mito e símbolo na figura de O Encoberto que vem governar o Quinto Império.
- Quinto Império: império espiritual
Esta é a derradeira mensagem de Pessoa, uma mensagem de esperança para o povo português que também surge como um mito e um símbolo próprios desta crença.
Contextualmente Portugal outrora um império tem como destino voltar a sê-lo, mas desta vez no domínio espiritual.
“E a nossa grande raça partirá em busca de uma Índia nova, que não existe no espaço, em naus que são construídas daquilo que os sonhos são feitos… “A Mensagem contém, pois, um apelo futuro”.
Fonte: http://www.notapositiva.com/trab_estudantes/trab_estudantes/portugues/12portofolio1/12portofolio1aw.htm