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quinta-feira, 3 de junho de 2010

Linguagem e Estilo

No âmbito da disciplina de Português, foi nos proposto a elaboração de um trabalho sobre a obra Memorial do Convento. De entre os temas sob os quais nos foram apresentados, a nossa opção incidiu sob Linguagem e estilo em Memorial do Convento.

clip_image002O Memorial do convento é um romance, uma história de amor, a de Baltasar e Blimunda. Apresenta um facto histórico, construção do Convento de Mafra, e fala de um invento, a máquina voadora.

A escrita de José Saramago é caracterizada por um estilo distinto, próprio e irreverente começando de pela falta de numeração dos capítulos, separados apenas por um espaço em branco. Apresenta também algumas dificuldades de compreensão, entendido que, se torna complicado compreender a que personagens pertencem as diferentes falas, dado que estas são apenas separadas por vírgulas, sendo a o início de cada fala marcado pelo uso de letra maiúscula, em vez de serem utilizados aspas e travessões. Além disso, as falas são frequentemente interrompidas por comentários do narrador.

Ao longo do trabalho serão descritos a linguagem e o estilo utilizados por José Saramago em Memorial do Convento e os seus aspectos próprios, como os recursos estilísticos, registo de língua, vocabulário, entre outros

Este romance está repleto de recursos estilísticos, que o autor usou para enriquecer o seu discurso.

Ao longo do trabalho é possível verificar um estilo e uma linguagem que se desenvolve fora dos modelos convencionais. Inicialmente, a leitura da obra pode parecer complicada, mas, com a continuação, visa tornar-se mais simples.

Saramago, com a sua escrita, consegue criar um ritmo de escrita próximo da poesia, conseguindo associar diferentes figuras de estilo, produzindo uma nova forma de utilizar a pontuação, recorrendo a marcas características do discurso oral, construindo efeitos irónicos, sarcásticos e humorísticos e entrelaçando o seu discurso com outros discursos literários.

Podemos ainda dizer que a ironia, é o recurso privilegiado e que apresenta uma relevante importância no âmbito da crítica social, política e religiosa. Por último e não menos importante é de destacar a marca de estilo do autor, a peculiar forma de utilizar a pontuação.

“O autor , na linha da inovação e no caminho da subversão, consegue criar um ritmo de escrita que lembra a poesia, conjugando enumeração, comparação e metáfora, introduzindo aforismos, provérbios e ditados, recriando o uso da pontuação, usando marcas do discurso oral, construindo efeitos irónicos e humorísticos e entrelaçando o seu discurso com outros discursos literários (como o de Camões, padre António Vieira, Fernando Pessoa e outros) e jogos de conceitos típicos do Barroco.”

Adaptado de: http://www.ipv.pt/millenium/pers12_sar.htm

A primeira impressão que se tem ao ler um texto de Saramago é que o seu estilo, a sua linguagem brotam de uma forma intempestiva, subvertendo as regras tradicionais. A linguagem de Saramago reinventa a escrita, combinando características do discurso literário com o discurso oral, construindo uma narrativa marcada por uma cumplicidade, uma espécie de «amena cavaqueira» entre o narrador e o narratário.

Nível/Níveis de Língua

Não usamos uniformemente a língua, antes a adaptamos às circunstâncias e às pessoas com quem queremos comunicar. Assim a utilização da língua pelos diferentes falantes depende de vários factores: geográficos, etários, culturais, socioeconómicos, profissionais, situacionais entre muitos outros.

No Memorial do Convento existem diversas personagens que formam dois grupos opostos: A aristocracia e o alto clero representam o grupo do poder, enquanto o povo e os oprimidos representam o grupo do contrapoder. Apesar disto podemos constatar, até nos dias de hoje, que um registo mais popular não é exclusivo deste sector da sociedade.

Ao longo da obra podemos considerar três diferentes níveis de língua interpretados pelas personagens:

– Popular - A língua popular é muito simples, sem palavras eruditas e desvia-se da norma, quer na fala, quer na escrita. As características da língua popular variam com as regiões do país (Regionalismos) e com os diferentes tipos sociais (Gírias e Calão).

· Regionalismos ou provincianismos

São registos de língua próprios da população que habita as aldeias mais afastadas dos centros urbanos, distinguindo-se da língua da cidade pelo léxico, pronúncia, sintaxe e até pela semântica (certas palavras têm significado diferente do das populações citadinas).

· Gírias

São linguagem própria de certos grupos sociais, de certas profissões (pedreiros, peixeiras, pescadores, militares, estudantes, etc.) que usam um vocabulário próprio, geralmente com a finalidade de não serem compreendidos por indivíduos estranhos ao seu grupo. Dentro das gírias podem incluir-se o calão, um linguajar considerado grosseiro, próprio dos rapazes vadios, ciganos, salteadores, contrabandistas, etc. (originária de extractos sociais marginalizados, de ambientes miseráveis, onde a acção educativa dificilmente penetra).

Exemplo: "Queres tu dizer na tua que a merda é dinheiro, Não, majestade, é o dinheiro que é merda";

– Familiar – É uma língua simples, quer no vocabulário, quer na elaboração sintáctica, não distando muito da língua padrão. O tom coloquial da língua familiar dá-nos a impressão de que o emissor é nosso conhecido, aproximando-se da linguagem oralizante. As crónicas jornalísticas, pelo seu tom de conversa despreocupada, e as cartas, pela sua simplicidade e tom coloquial, reflectem quase sempre este nível de língua.

Exemplo: "correram o reino de ponta a ponta e não os apanharam";

– Cuidada – A língua que encontramos nos discursos parlamentares, nas conferências, nos ensaios, nos artigos de critica literária, etc., é, geralmente, língua cuidada.
Caracteriza-se por um vocabulário mais seleccionado, menos usual, e por construções sintácticas de influências clássicas.

Exemplo: "Tirando as expressões enfáticas esta mesma ordem já fora dada antes (...)".

Pontuação

A escrita de Saramago lembra, em parte, o estilo engenhoso do Barroco pois os ornamentos retóricos têm a função de captar, por meio do deleite, a atenção do leitor. Assim uma das características mais notórias de José Saramago é a utilização peculiar da pontuação.

  • Principal marca: nas passagens do discurso directo:
      • Eliminação do travessão e dos dois pontos;
      • A substituição do ponto de interrogação e de outros sinais de pontuação pela vírgula;
      • O início de cada fala apenas é assinalado pela maiúscula.

Exemplo:

"Por uma hora ficaram os dois sentados, sem falar. Apenas uma vez Baltasar se levantou para pôr alguma lenha na fogueira que esmorecia, e uma vez Blimunda espevitou o morrão da candeia que estava comendo a luz e então, sendo tanta a claridade, pôde Sete-Sóis dizer, Por que foi que perguntaste o meu nome, e Blimunda respondeu, Porque minha mãe o quis saber e queria que eu o soubesse, Como sabes, se com ela não pudeste falar, Sei que sei, não sei como sei, não faças perguntas a que não posso responder, faze como fizeste, vieste e não perguntaste porquê, E agora, Se não tens onde viver melhor, fica aqui, Hei-de ir para Mafra, tenho lá família, Mulher, Pais e uma irmã, Fica, enquanto não fores, será sempre tempo de partires, Por que queres tu que eu fique, Porque é preciso, Não é razão que me convença, Se não quiseres ficar, vai-te embora, não te posso obrigar, Não tenho forças que me levem daqui, deitaste-me um encanto, Não deitei tal, não disse uma palavra, não te toquei, Olhaste-me por dentro, Juro que nunca te olharei por dentro, Juras que não o farás e já o fizeste, Não sabes de que estás a falar, não te olhei por dentro, Se eu ficar, onde durmo, Comigo."

Recursos Estilisticos

Memorial do Convento está repleto de figuras de estilo, é um modo de enriquecer o seu discurso.

Ao longo desta obra poderemos encontrar vários exemplos de figuras de estilo, que enumeremos de seguida:

  • Adjectivação Expressiva
    • “a tripa empedernida”
    • “lama aguada e pegajosa”
  • Adjectivação múltipla
    • “aqui vou blasfema, herética, temerária, amordaçada”.
  • Dupla Adjectivação
    • “mãozinha suada e fria”
    • A boca (…) pequena e espremida”
    • “correm águas abundantes e dulcíssimas para o futuro pomar e horta…”
  • Polissíndeto:
    • “Isto que aqui vês são as velhas que servem para cortar o vento e que se movem segundo as necessidades, e aqui é o leme com que se dirigirá a barca […] e este é o corpo do navio dos ares (…)”
  • Anáfora, Repetição anafórica
    • “(…) agora vai à casa do noviciado da companhia de Jesus, agora à igreja paroquial de S. Paulo, agora faz a novena de S. Francisco Xavier, agora visita a imagem de Nossa Senhora das Necessidades…”
    • “(…) podes começar já pela primeira palavra, que é a Casa de Jerusalém onde Jesus Cristo morreu por todos nós, é o que dizem, e agora as duas palavras, que são as duas tábuas de Moisés onde Jesus Cristo pôs os pés, é o que dizem, e agora as três palavras, que são as três pessoas da Santíssima Trindade, é o que dizem, e agora as quatro palavras, que são os quatro evangelistas, João, Lucas, Marcos e Mateus, é o que dizem, e agora as cinco palavras, que são as cinco chagas de Jesus Cristo, é o que dizem, e agora as seis palavras, que são os seis círios bentos que Jesus Cristo teve no seu nascimento, é o que dizem (…)”
    • “Passam velozmente sobre as obras do convento, mas desta vez há quem os veja, gente que foge espavorida, gente que se ajoelha ao acaso e levanta as mãos implorativas de misericórdia, gente que atira pedras, o alvoroço toma conta de milhares de homens (…)
    • “(…) ajoelhai, ajoelhai, pecadores, agora mesmo vos devíeis capar para não fornicardes mais, agora mesmo devíeis atar os queixos para não sujardes mais a vossa alma com a comilança e a bebedice, agora mesmo devíeis virar e despejar os vossos bolsos porque no paraíso não se requerem escudos (…)”
  • Paralelismo de Construção e do Polissíndeto
    • “(…) também há modos diferentes de pagar e cobrar o imposto, com o dinheiro do sangue e o sangue do dinheiro, mas há quem prefira a oração, é o caso da rainha, devota parideira que veio ao mundo só para isso, ao todo dará seis filhos, mas de preces contam-se por milhões, agora vai à casa do noviciado da Companhia de Jesus, agora à igreja paroquial de S. Paulo, agora faz a novena de S. Francisco Xavier, agora visita a imagem de Nossa Senhora das Necessidades, agora vai ao convento da Conceição de Marvila, e vai ao convento de S. Bento da Saúde, e vai visitar a imagem de Nossa Senhora da Luz, e vai à igreja do Corpo Santo, e vai à igreja de Nossa Senhora da Graça, e à igreja de S. Roque, e à igreja da Santíssima Trindade, e ao real convento da Madre de Deus, e visita a imagem de Nossa Senhora da Lembrança, e vai à igreja de S. Pedro de Alcântara, e à igreja de Nossa Senhora de Loreto, e ao convento do Bom Sucesso (…)”
  • Quiasmo
    • “todos têm uma parte de ciência e outra de mando, a ciência por causa do mando, o mando por causa da ciência”
  • Enumeração
    • “(…) já que não podemos falar-lhes das vidas, por tantas serem, ao menos deixemos os nomes escritos, é essa a nossa obrigação, só para isso escrevemos, torná-los imortais, pois aí ficam, se de nós depende, Alcino; Brás, Cristóvão, Daniel, Egas, Firmino, Geraldo, Horácio, Isidro, Juvino, Luís, Marcolino, Nicanor, Onofre, Paulo, Quitério, Rufino, Sebastião, Tadeu, Ubaldo, Xavier, Zacarias, uma letra de cada um para ficarem todos representados (…)”
    • “vai escriturando no rol os bens e as riquezas, de Macau as sedas, os estofos, as porcelanas, os lacados, o chá, a pimenta, o cobre, o âmbar cinzento, o ouro.”
    • “ Está o penitente diante da janela da amada, em baixo na rua, e ela olha-o dominante, talvez acompanhada de mãe ou prima, ou aia, ou tolerante avó, ou tia assadíssima”
    • “Solene procissão de juízes, corregedores e meirinhos”
    • “padres, confrarias e irmandades”
    • “cordas, panos, arames, ferros confundidos”
  • Antítese
    • “Via-se o castelo lá no alto, as torres das igrejas dominando a confusão das casas baixas.”
    • “ A obra é longa, a vida é curta”
  • Eufemismo
    • “Que ele próprio poderá amanhã fechar os olhos para todo o sempre”
  • Comparação
    • “O sol está pousado no horizonte do mar, como uma laranja na palma da mão”
    • “passadas as roupas de mão em mão tão reverentemente como relíquias de santos que tivessem trespassado donzelas”
    • “Empoleirado em andas como uma cegonha negra”
    • “passando os braços como crucificados”
    • “triste morte, foi um abalo muito grande, como um terramoto profundo que lhe tivesse rachado os alicerces”

Este último exemplo é uma comparação, mas também pode estar associada à hipérbole.

  • Metáfora
    • "O cântaro está à espera da fonte."
    • “(…) para D. Maria Ana é que lhe vem chegando o tempo. A barriga não

aguenta crescer mais por muito que a pele estique, é um bojo enorme, uma nau da Índia.”

o “Mas esta cidade, mais que todas, é uma boca que mastiga de sobejo para um lado e de escasso para o outro (…)”

o “(…) olharem-se era a casa de ambos (…)”

o “(…) a procissão é uma serpente enorme que não cabe direita ao Rossio e por isso se vai curvando e recurvando”

  • Hipérbole
    • “é um mar de gente de um e outro lado, portugueses de cá, espanhóis de lá.”
    • “à vista do mar de povo que enchia a praça (…)”
  • Hipálage
    • “Entrou no açougue que dava para a praça, a regalar a vista sôfrega nas

grandes peças de carne (…)”

    • “de coração manso e alegre vontade”
    • “nem Romeu que, descendo, colhe o debruçado beijo de Julieta”
  • Sinestesia
    • “puxa o cordão da sineta […] pairam cheiros diversos”
  • Gradação
    • “O homem primeiro tropeça, depois anda, depois corre, e um dia voará…”
    • “A barriga não aguenta crescer mais por muito que a pele estique, é um bojo enorme, uma nau da Índia, uma frota do Brasil” (Aqui temos a gradação associada a hipérbole.)
    • “Ah, gente pecadora, homens e mulheres que em danação teimais viver essas vossas transitórias vidas, fornicando, comendo, bebendo mais que a conta, faltando aos sacramentos e ao dízimo, que do inferno ousais falar com descaro e sem pavor…”
  • Personificação
    • “Fechou-se a noite por completo, a cidade dorme, e se não dorme calou-se.”
    • “(…) bendita sejas tu, noite, que cobres e proteges o belo e o feio com a mesma indiferente capa, noite antiquíssima e idêntica, vem”

Neste caso trata-se de uma personificação associada a uma apóstrofe).

  • Onomatopeioa
    • truca-truca, truca-truca, com o cinzel e a maceta.”
    • “só os canteiros continuaram a bater a pedra, truca-truca, truca-truca
    • taratatá-tá, sopra a corneta”
    • toque-toque-toque, lindo burriquito”
    • Êeeeeeiii-ô, se os bois puxarem mais de um lado que do outro, estamos mal aviados, Êeeeeeiii-ô, agora saiu o grito (…)”
  • Sarcasmo
    • "Porém, esta religião é de oratório mimoso, com anjos carnudos e santos

arrebatados, e muitas agitações de túnica, roliços braços, coxas adivinhadas, peitos que arredondam, revirações dos olhos, tanto está sofrendo quem goza como está gozando quem sofre, por isso é que não vão os caminhos dar todos a Roma, mas ao corpo."

  • Ironia
    • "(...) com o que pretende sua majestade pôr cobro ao escândalo de que são causa os freiráticos, nobres e não nobres, que frequentam as esposas do Senhor e as deixam grávidas no tempo de uma ave-maria, que o faça D. João V, só lhe fica bem, mas não um joão-qualquer ou um josé-ninguém."
    • “se este rei não se acautela acaba santo”
    • “(…) aí está uma estátua oferecida na palma da mão, um profeta de barriga para baixo, um santo que trocou os pés pela cabeça, mas nestas involuntárias irreverências ninguém repara, tanto mais que logo el-rei reconstitui a ordem e a solenidade que convém às coisas sagradas.”
    • “Que caiba a culpa ao rei, nem pensar, primeiro porque a esterilidade não é mal dos homens, das mulheres sim, por isso são repudiadas tantas vezes, e segundo, material prova, se necessária ela fosse, porque abundam no reino bastardos da real semente e ainda agora a procissão vai na praça.”
    • “(…) a mulher, entre duas igrejas, foi a encontrar-se com um homem, qual seja, e a criada que a guarda troca uma cumplicidade por outra, e ambas quando se reencontram diante do próximo altar, sabem que a quaresma ao existe e o mundo está felizmente louco desde que nasceu.”
    • “Dizem que o reino anda mal governado, que nele está de menos a justiça, e não reparam que ela está como deve estar, com sua venda nos olhos, sua balança e sua espada, que mais queríamos nós.”
    • “(…) passadas as roupas de mão em mão tão reverentemente como relíquias de santos que tivessem trespassado donzelas”

 

“Tornar estranha a língua que nos é familiar significa de certa forma reinventá-la, multiplicar os seus mundos, e fazer-nos participar pela leitura dessa reinvenção e dessa pluraçidade.”

Manuel Gusmão, in Jornal de Letras, 30 de Dezembro de 1998

terça-feira, 1 de junho de 2010

Memorial do Convento



Tempo

Tempo Histórico:

Em Memorial do Convento, de José Saramago, publicado em 1982, a acção decorre no início do século XVIII, durante o reinado de D.JoãoV e da Inquisição. Este rei absolutista gozou da enorme quantidade de ouro e de diamantes vindos do Brasil e mandou construir o magnífico Palácio Nacional de Mafra, mais conhecido por Convento, em resultado de uma promessa que fez para garantir a sucessão do trono.

Através da íntima relação entre o que é fictício e o que é histórico, o romance critica a exploração dos pobres pelos ricos – que origina guerra entre os indivíduos – e a corrupção pertencente à natureza humana – com especial foco à corrupção religiosa.



Tempo da Narração:

O tempo narrativo resulta da articulação do tempo da história e do tempo do discurso.

Na narração da obra a acção data entre 1711 a 1739 (29 anos): inicia com a apresentação do rei e termina com o último auto-de-fé em Portugal, em que Baltasar morre.

Tempo do discurso:

O modo como influencia a cronologia da acção (tempo da narração) e na maior parte do romance linear, tendo porém algumas analepses e prolepses, utilizada por exemplo para narrar a morte do sobrinho de Baltasar e do Infante D. Pedro e a elipse, utilizada na discrição do período em que Blimunda procurou Baltasar durante nove anos; e ainda a presença do narrador através dos seus comentários, juízos críticos, registos de língua e referências ao século XX.

Prolepses: O narrador heterodiegético e omnisciente, apesar de respeitar a cronologia e a datação de eventos históricos tratados no romance (sagração do convento, casamento dos príncipes) recorre a diversas prolepses, quer para anunciar acontecimentos futuros, quer para registar a diferença entre o tempo da história e o tempo do discurso, quer para fazer comentários e comparações ente épocas histórias diferentes.



ESPAÇO PSICOLÓGICO

O espaço psicológico diz respeito ao universo interior dos personagens e, nalguns casos, também do narrador – quando este participa da acção narrada e sobre ele reflecte, p.e. Este universo interior consiste no conjunto de todas as manifestações não físicas como pensamentos, emoções, sentimentos, sensações, etc., que no texto são expressas de forma indirecta (através do narrador) ou de forma directa (nos monólogos e diálogos dos próprios personagens).

No caso do Memorial do Convento, o espaço psicológico é sobretudo “habitado” por sonhos, pensamentos e a atmosfera do romance. De seguida, vamos explorar cada um destes três “habitantes”:



Sonhos:

Os sonhos do rei e da rainha contrastam com os das outras personagens, sobretudo porque evidenciam o desamor que marca a relação do casal real: o protagonista da acção D. João V sonha com a sua própria imortalidade, com a descendência e com o convento – este por sua vez é casado com D. Maria Josefa, de Áustria, com a qual tem uma relação de dever conjugal e não de amor; Megalómano, promete construir um convento em Mafra. D. João é um homem excessivo, rico e poderoso – também tem a sua vaidade, é pretensioso, prepotente, representa o poder acromático. Enquanto D. Maria Ana Josefa é atormentada pelo facto de sonhar com o seu cunhado, o infante D. Francisco - É uma beata, devota; é uma mulher carinhosa, preocupada, cumpridora como esposa e como mãe.

Baltasar sonha com Blimunda, com o trabalho, com os animais, a terra, o ar; - Baltasar e Blimunda têm sonhos comuns e, por vezes, sonham em conjunto com o padre Bartolomeu de Gusmão, nomeadamente no que diz respeito à passarola, o que evidencia o profundo envolvimento das três personagens na realização daquela obra, ao contrário da construção do convento, executada à custa do trabalho de milhares para a realização do sonho de um só - D. João V.

- «Baltasar Mateus foi mandado embora do exército por já não ter serventia nele, depois de lhe cortarem a mão esquerda pelo nó do pulso, estraçalhada por uma bala em frente de Jerez de los Caballeros» (p. 35)



Pensamentos

Os pensamentos das personagens revelam o seu mundo interior, os seus desejos, sonhos e ambições.



Atmosfera do romance

A atmosfera do romance é densa e pesada, em virtude da religiosidade opressiva, com traços de fanatismo, imposta pelos clérigos e pelas ordens religiosas que manobram a vida dos lisboetas, os habitantes da corte, os operários que trabalham nas obras do Convento de Mafra. Tudo parece girar em função da motivação religiosa: desde o nascimento da herdeira real, resultado de uma promessa, à construção do convento. A própria rainha vive dominada pelo fanatismo religioso.

Por outro lado, à excepção das touradas, todos os divertimentos e acontecimentos importantes ou são de cariz religioso, ou têm a ver com a Igreja, ou misturam o religioso e o profano (como os festejos que antecedem a procissão do Corpo de Deus), ou ainda a religião e a luxúria (por exemplo, a procissão da penitência e as saídas das mulheres para visitar as igrejas durante a Quaresma). Pairando sobre tudo isto está sempre a mancha negra da Inquisição e os autos-de-fé, para gáudio e elevação espiritual de nobres e plebeus.

O sermão proclamado aquando do transporte da pedra e após a morte de Francisco Marques representa a demagogia exercida pelo clero sobre o povo ignorante.

O lar de Marta Maria e João Francisco distinguem-se desta imagem profundamente negativa da sociedade portuguesa, pela tolerância com que recebem o filho e a nora, que suspeitam não estar casados conforme mandam as leis da Igreja -, não questionando algumas estranhezas que notam em Blimunda, embora essa tolerância não seja tão grande que a aceitassem se ela fosse uma cristã-nova.



Espaço físico


A acção de Memorial do Convento desenrola-se em dois grandes espaços: Lisboa e Mafra, a que se acrescenta o Alentejo, em circunstâncias bem específicas.

Lisboa é um Macroespaço caracterizado, genericamente, como uma cidade com muralhas e com abundância de igrejas ("Lisboa derramava-se para fora das muralhas. Via-se o castelo lá no alto, as torres das igrejas dominando a confusão das casas baixas, a massa indistinta das empenas." - p. 40), o que denuncia o ambiente profundamente religioso e beato que a domina. Por dentro, é descrita como uma cidade suja [" (...) a cidade é imunda, alcatifada de excrementos, de lixo, de cães lazarentos e gatos vadios, e lama mesmo quando não chove." - p. 28].


Enquanto Macroespaço, integra outros espaços:

Mercado de peixe, espaço contrastante com a visão imunda da cidade ("Sete-Sóis atravessou o mercado de peixe. (...) Mas no meio da multidão suja, eram miraculosamente asseadas, como se as não tocasse sequer o cheiro do peixe que removiam às mãos cheias..." - p. 42).

Paço: trata-se de um espaço de que não há grandes descrições, ressaltando apenas as atitudes das personagens que o habitam e os factos que lá têm lugar.

Terreiro do Paço: local onde Baltasar trabalha num açougue, após a sua chegada a Lisboa. Onde também decorriam as touradas.

Rossio: local onde decorrem os autos-de-fé.

S. Sebastião da Pedreira: espaço isolado onde é construída a passarola. Na época, era um espaço rural, onde existiam várias quintas que integravam palacetes.

Abegoaria: constitui o ninho de amor de Baltasar e Blimunda. Da descrição que o narrador dela faz, podemos inferir a simplicidade da vida e a pobreza do casal ("Num canto da abegoaria desenrolaram a enxerga e a esteira, aos pés dela encostaram o escano, fronteira a arca, como os limites de um novo território, raia traçada no chão e em panos levantada, suspensos estes por um arame para que isto seja de facto uma casa..." - p. 88). Por outro lado, aí se vai construindo a passarola.

O outro espaço é o de Mafra, o segundo macroespaço, pouco descrito. É aí que milhares de homens, em condições infra-humanas, vão construindo, ao longo de décadas, o convento, muitos deles perdendo lá a própria vida ("... o abençoado há-de ir a Mafra também, trabalhará nas obras do convento real e ali morrerá por cair de parede, ou da peste que o tomou, ou da facada que lhe deram, ou esmagado pela estátua de S. Bruno..." - p. 117). Nesta vila, destaca-se outro espaço: o alto da Vela, local escolhido por D. João V para edificar o convento e que deu lugar à chamada vila nova, à volta do edifício. Nas imediações da obra, surge a Ilha da Madeira, onde começaram por se alojar dez mil trabalhadores, ascendendo, posteriormente, a quarenta mil.



Um terceiro espaço é o Alentejo, um lugar povoado por mendigos e salteadores. Esta zona do reino é percorrida por Baltasar após o seu regresso da Guerra da Sucessão e, mais tarde, pelo cortejo real, que vai de Lisboa a Elvas, por ocasião do casamento dos príncipes D. Maria Bárbara e D. José com os príncipes espanhóis. Nestas ocasiões, realçam-se a miséria e a penúria de quem aí habita, bem como os caminhos de lama e de pobreza.

Outros locais a considerar são Pêro Pinheiro, local de onde é originária a pedra, e a Serra do Barregudo, lugar onde a passarola pousou e esteve escondida e donde partiu para a derradeira e fatal viagem de Baltasar.

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Plano do Trabalho


INTRODUCÃO:

O Memorial do Convento é um dos mais belos romances de José Saramago, o único Nobel da literatura em língua Portuguesa começando pela construção do convento.

No reinado de D. João V, enredam-se, vários romances, o projecto da passarola voadora do padre Bartolomeu de Gusmão, a Inquisição, o amor fantástico de Baltazar e Blimunda.

Por tempo do discurso entende-se aquele que se detecta no próprio texto organizado pelo narrador, através da forma como relata os acontecimentos, as analepses explicam os acontecimentos passados, as prolepses antecipam os acontecimentos.



DESENVOLVIMENTO:

O tempo (histórico, da narração e da escrita).

O espaço – espaços físicos e psicológicos – sua função na economia da obra.

CONCLUSÃO:

O Memorial do Convento é uma obra que todas as pessoas deviam ler é muito interessante.

Fala-nos da época que éramos governados pela monarquia, mesmo nesse tempo aonde tudo era bem controlado já havia histórias de amor, mas também havia muita gente que morria inocente com a aquisição

O. Autor JOSE SARAMAGO escreve com uma lucidez e esta bem para o alcance de todos os leitores.

Também tem algumas histórias de fictícias mas não deixa de ser muito bom.

Memorial do Convento - Acção

Resumo da acção

A história de “ Memorial do Convento” pode dividir-se em duas vertentes, por um lado refere factos históricos na época da construção do mosteiro de Mafra por D. João V, por outro adopta a criação do enredo com Baltazar sete-luas e Blimunda sete-sóis na construção de um engenho voador. No primeiro tema trata-se de relatar episódios referentes a esse período histórico, ironizando e criticando esses mesmos episódios, referentes à construção do mosteiro de Mafra, que D. João V acaba por oferecer ao Clero, de forma a cair nas boas graças de Deus para que sua esposa lhe dê um herdeiro. A construção fica marcada pela utilização do povo oprimido, fazendo inúmeras vítimas na colocação da grande pedra para o pórtico. E pelo esforço financeiro do país onde se viria a gastar grandes fortunas em materiais e em técnicos de construção. José Saramago satiriza e ridiculariza então estes acontecimentos, pondo a claro, e denunciando a utilização deste povo oprimido pela elite e clero da altura. No que diz respeito à outra história que se vai entrelaçando ao longo da obra, trata-se basicamente de uma história de amor entre Baltazar sete-luas e Blimunda sete-sóis, humildes elementos do povo, que se unem ao Padre Bartolomeu no seu sonho de voar. Esta história tem implícita uma metáfora de liberdade, já que o engenho de seu nome “Passarola” que querem construir funciona com as derradeiras vontades dos moribundos como combustível. Blimunda que tem o dom de ver as pessoas por dentro consegue assim captar essas ultimas vontades, acabando por fazer o engenho funcionar. O Padre acaba sendo perseguido pela inquisição e tem que fugir para Toledo. O engenho fica assim à guarda de Baltazar e Blimunda, que o escondem. Certo dia durante a manutenção do engenho, Baltazar foi experimentá-lo e acaba por não voltar. Blimunda procura-o durante nove anos e acaba por encontrar Baltazar em Lisboa a caminho da fogueira, no momento antes da sua morte a sua vontade é recolhida no peito da sua amada.

Acção principal e secundária

A análise de Memorial do Convento permite constatar a existência de duas narrativas simultâneas: uma de carácter histórico e outra de ficção.
A acção principal é a edificação do convento de Mafra – desejo e promessa de D. João V e a acção secundária é a história de amor entre Blimunda Sete-Luas e Baltasar Sete-Sóis; a construção da passarola (sonho de Bartolomeu de Gusmão).
Na acção principal encaixam-se outras acções, constituindo diferentes linhas de acção que se articulam com a primeira.

1ª. Linha de acção – a do rei D. João V
Abrange todas as personagens da família real e relaciona-se com a segunda linha de acção, uma vez que a promessa do rei é que vai possibilitar a construção do convento. Esta linha tem como espaço principal a corte e, depois, o convento, na altura da sua inauguração, no dia do aniversário do rei.

2ª. Linha de acção – a dos construtores do convento
Esta é a linha da acção principal da história, a par da quarta, a que respeita á construção da passarola. Esta segunda linha de acção vai ganhando relevo e une a primeira à terceira: se o convento é obra e promessa do rei, é ao sacrifício dos, aqui representados por Baltasar e Blimunda, que ela se deve.
Honram-se aqui os homens que se sacrificam, passam por dificuldades, mas que também as vencem.

3º. Linha de acção – a de Baltasar e Blimunda
Nesta linha relata-se uma história de amor e o modo de vida dos portugueses. Baltasar e Blimunda são os construtores da passarola; Baltasar é também, depois o construtor do convento, constituindo-se como paradigma da força que faz mover Portugal, a do povo.

4ª. Linha de acção – a de Bartolomeu Lourenço
Relaciona-se com o sonho e o desejo de construir uma máquina voadora. Articula-se com a primeira e segunda linhas de acção, porque o padre é mediador entre a corte e o povo. Também se enquadra na terceira linha, dado que a construção da passarola resulta da força das vontades que Blimunda tem de recolher para que a passarola voe.

Verifica-se a existência de um plano de ficção que se cruza com a História, uma vez que a construção da passarola, evento a que a História se refere, acaba por ser ficção quando se afirma que se moverá pela força das “vontades” que Blimunda recolhe.
A construção da passarola é o fio condutor de toda a narrativa pois consegue-se observar quase todos os passos, e até partilhar do entusiasmo das personagens, enquanto que da construção do convento só se sabe as fases da construção. Parece, até, que só a partir do décimo sétimo capítulo é que a passarola cede lugar ao convento. Na realidade, é a construção da máquina que conduz a narrativa e é ela que materializa o sonho dos seus construtores e lhes vai permitir a fuga de um mundo dominado pela injustiça e pela prepotência que caracteriza a política vigente.

Modos de organização

As sequências narrativas, que fazem parte da acção, podem surgir articuladas de três maneiras diferentes:

• Encadeamento: por exemplo, o desenrolar da relação amorosa entre Blimunda e Baltasar, a partir do momento em que se conhecem no auto-de-fé, onde a mãe de Blimunda é condenada, até ao reencontro do casal no final da acção, na altura em que Baltasar está a ser queimado na fogueira da Inquisição.

• Encaixe: por exemplo, as histórias de vida que Francisco Marques, José Pequeno, Joaquim da Rocha, Manuel Milho, João Anes, Julião Mau-tempo e Baltasar Mateus contam uns aos outros (Cap. XVIII), quando estes se encontram longe dos seus lares a trabalhar na construção do convento.

• Alternância: por exemplo, a história de Manuel Milho sobre uma rainha e um ermitão (Cap. XIX) é contada por partes, à noite, dando lugar à narração de outros eventos.

Fontes: Manual de Português – INTERACÇÕES – Texto Editores
www.resumos.net